A tristeza das crianças

Queriam saber os motivos pelos quais não víamos com freqüência outros tipos de resíduos poluentes além das latinhas de cerveja. Mostrei ainda de dentro d’água a quantidade de ambulantes vendendo a bebida nas areias e calçadas, e a multidão de pessoas consumindo o produto que custa o preço de uma garrafa de água mineral.

 

 

Bernardo Mussi

15/11/2010

A tristeza das crianças

 

Anjos que mergulham

Anjos que mergulham

 

Depois que escrevi O Fundo da Folia falando sobre a enorme quantidade de latinhas de cerveja e refrigerantes encontradas no fundo do mar após o carnaval, com a repercussão mundial que a matéria teve, pensei que as coisas fossem melhorar este ano. Estava enganado.

Hoje, em plena primavera, fui mergulhar com minha filha de 10 anos e uma coleguinha de escola da mesma idade para mostrar-lhes as belezas do fundo do mar na região da Barra. Não imaginava que presenciaria, ainda nesta época do ano, um festival de latinhas fazendo a prévia do verão e dos eventos que se aproximam.

Fiquei surpreso pelo achado. Sem os eventos, mas com uma população flutuante bastante numerosa na Barra durante os dias de sol, uma multidão de ambulantes se instala por todos os espaços disponíveis na orla do bairro para fomentar um costume que tem se tornado cada vez mais nocivo ao meio ambiente e a nossa cultura, que é o consumo exagerado de bebidas alcoólicas na praia.

 

Cosciência e esperança

Cosciência e esperança

 

Basta olhar o que a maioria dos ambulantes vende como carro chefe, e mais ainda o que encontramos no fundo do mar. É impressionante a quantidade de latas de cerveja que se amontoam em determinados locais. Não há outro material descartado, outro tipo de lixo, que se compare ao volume do que vemos nestas áreas submersas.

Minha filha e sua coleguinha ficaram decepcionadas quando viram a concentração destes resíduos em meio à vida marinha. Aliás, não há quem não consiga esboçar alguma reação ao ver cenas tão marcantes, ao vivo e a cores. Cenas que nos fazem refletir sobre a gravidade da atual situação da educação e saúde da nossa gente, e também da falta de uma ação eficaz dos órgãos públicos.

As crianças ficaram um bom tempo olhando com atenção aquelas latinhas rolando ao sabor das correntes. Depois de um tempo, subiram na prancha de surf que levo como apoio e começaram a me questionar algumas óbvias considerações sobre o assunto.

 

Ainda é primavera. E no verão?

Ainda é primavera. E no verão?

 

Perguntaram-me como é que as latinhas conseguem ficar agrupadas daquela maneira. Respondi que na verdade elas acabam encalhando em algumas “valas” submarinas após serem levadas do raso para o fundo com o movimento das marés.

Queriam saber os motivos pelos quais não víamos com freqüência outros tipos de resíduos poluentes além das latinhas de cerveja. Mostrei ainda de dentro d’água a quantidade de ambulantes vendendo a bebida nas areias e calçadas, e a multidão de pessoas consumindo o produto que custa o preço de uma garrafa de água mineral.

Questionaram-me sobre os impactos negativos na vida marinha. Afirmei sem a menor dúvida que aquilo poderia ser uma das razões para que seus filhos ou netos, em futuro próximo, jamais tivessem a oportunidade de contemplar os peixes que estávamos vendo, os corais, aquelas águas cristalinas.

 

A hora das perguntas. Uma sem resposta...

A hora das perguntas. Uma sem resposta...

 

Só não consegui responder a mais óbvia das perguntas: por que ninguém faz nada?

Engoli seco, pensei rápido e a única coisa que passou em minha cabeça foi o próprio sentimento de que todas as ações que havia feito até ali, incluindo O Fundo da Folia no Carnaval deste ano, não surtiram efeito algum. Fiquei de responder depois, e seguimos nosso mergulho.

Mais adiante encontramos novos focos de latinhas e em todos estes momentos as crianças paravam para comparar a quantidade e a marca das embalagens. Achei aquilo de uma importância fenomenal para a formação da consciência daquelas futuras brasileirinhas em favor da educação e saúde da nossa gente.

 

Brasileirinhas que podem mudar o mundo

Brasileirinhas que podem mudar o mundo

 

Depois de quase duas horas mergulhando saímos do mar. Naquele momento, ao chegar à beira da praia e começar a andar pelas areias lotadas de gente se fartando de comidas e bebidas em meio a um turbilhão de ambulantes, percebi que as crianças entenderam a minha falta em relação àquela pergunta que havia ficado sem reposta.

As latas que estavam no fundo do mar estavam bem ali, por toda a areia, espalhadas como reflexo de uma cultura de praia pouco saudável e completamente deseducada. O costume do consumo exagerado de bebidas alcoólicas em Salvador já venceu a força dos órgãos públicos e aos poucos vai vencendo a resistência do meio ambiente.

 

O lixo mais evidente no fundo do mar

O lixo mais evidente no fundo do mar

 

Mas há esperança enquanto mentes de anjo, como daquelas crianças, puderem ter a oportunidade de vivenciar experiências assim para compartilhar em seus mundos, em suas escolas, em suas vidas.

Só não há razão para continuarmos sem saber os motivos pelos quais ninguém consegue fazer nada que consiga reverter este quadro lamentável na raiz do problema. Não há mais época do ano em que o cenário fique livre de tantas latinhas.

Para a tristeza de nossas crianças…

 

 

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16 Responses to “ A tristeza das crianças ”

  1. GD disse:

    boa bernardo….continua assim….vamo tentar dar um futuro melhorar pros nossos filhos…aloha GD!!

  2. [...] O surfista Bernardo Mussi tem um belo trabalho de conscientização dos frequentadores das praias baianas. Muitas vezes as aparências enganam. Quem olha as areias brancas e os coqueiros balançantes não imagina que, sob o mar esverdeado, há montanhas de entulhos deixados pelos turistas descuidados. Foi o que ele descobriu em um mergulho em frente ao Farol da Barra, de Salvador. É o que ele revela em um post recente do blog Local Beach, Global Garbage. [...]

  3. Sandra disse:

    De fato é um absurdo!!!!
    Não existe nenhum respeito com litoral brasileiro.

  4. Parabéns…Bernardo

    Só penso em ações de educação ambiental junto aos consumidores da praia. O poder público tem obrigação de dar suporte. Existe alguma Secretaria de Meio Ambiente em SSA? Existe alguma instituição que possam puxar essas ações de trabalhar com o público da praia?

    Mais uma vez parabéns pela divulgação engajada por um planeta melhor..

    Quem sabe a alegria.. possa voltar as nossas crianças..

    Abraço.

  5. Embora seja uma matéria que ninguém gostaria de ler, está ótima!

    Pratico apnéia na região de Bombinhas - SC e ficaria desolado se visse algo do tipo. Mas já achei algum lixo por aqui também, como copos plásticos e inúmeros pedaços de cordas de pescador… Fico sentado aqui pensando o que eu poderia fazer para reverter essa situação, sentindo-me impotente.

    Acho que se cada um fizesse a sua parte em respeitar o meio em que vive e conscientizar as pessoas ao seu redor, a situação estaria bem melhor, é a única alternativa que nós temos.
    Seria interessante organizar um mutirão de limpeza nos corais costeiros, convocando todos os praticantes de mergulho e apnéia.

  6. Miriam Santini disse:

    Compartilhei no facebook e já dei a matéria para meu filho ler.

  7. Contundente este artigo, Bernardo. Compartilhei o texto e o video no site do Instituto TerraGaia: http://www.terragaia.org.

    Abs.

  8. aparecida disse:

    a primeira vista tive a sensação de completo descaso de autoridades públicas, dos residentes, dos turistas, dos trabalhadores formais e informais, e do grupo que organizou e produziu o evento. a educação ambiental não pode ficar apenas em teoria. entretanto, este fato não se trata apenas de educação ambiental, mas de conscientização e alerta da realidade que convivemos… e a maioria dos participantes são jovens! muitos deles sabem ou já ouviram falar nas pegadas ecológicas…

    parabens pelo seu trabalho.

    aparecida

  9. [...] por Bernardo Mussi. No artigo “A tristeza das crianças” (publicado no site da ONG

  10. É isso ai Bernardo, ótima matéria.

    Agora imagine no verão, hein? Já podemos ver ou pelo menos termos uma idéia de como será.. É só darmos uma caminhada do Barra Vento ao Porto pra ver a quantidade de lixo que são todos os finais de semana descartados de forma incorreta, prejudicando desta maneira a biota local, a imagem turística e claro, os moradores que pagam um IPTU alto pra poder ter ruas e praias limpas.

    Espero que as perspectivas sejam outras até o verão de fato começar, pois se não, iremos presenciar cada vez mais a degradação destes patrimônios.

    Abração,

    Anselmo Chagas

  11. Bernardo,

    É incrível como ainda existe tanta gente que não se preocupa com o meio-ambiente e capaz de inundar o fundo do mar com latas vazias, ainda mais que existe disponível muita informação sobre a reciclagem do ferro e do alumínio e sobre a cadeia produtiva em torno das cooperativas de catadores.

    O caminho é realmente o da educação e o engajamento das crianças com certeza vai promover adultos mais responsáveis no futuro.

    Publico uma página no Facebook chamada “Reciclar é um ato de amor” onde coloco assuntos ligados ao tema da reciclagem, consumo consciente, coleta seletiva e alertas sobre a poluição e vou compartilhar o link do seu post.

    O endereço da página no Facebook é http://migre.me/17Hhi

    Parabéns pelo esforço em prol do meio-ambiente (e de todos).

    abs,

    André Boavistta

  12. Cristina disse:

    Essa imagem é impressionante e lamentável ao mesmo tempo e o mais incrível é que começa na base de tudo: A Educação, seja em casa ou na escola. Se os pais não tem educação, os filhos certamente não terão e assim por diante, passando de geração em geração. Esta mais do que na hora de mudar isso! Continue divulgando esses assuntos, que são tão importantes e, quem sabe resta em algumas “cabecinhas” um pouco de consciência do que estamos fazendo com o nosso meio ambiente e com nós mesmos. Abraço.

  13. beatriz diniz disse:

    compartilhei no facebook o link pra cá, citei o trecho inicial do post (entre aspas e creditado). semana passada soltei eco lógico sobre a ambev estar preparada pro melhor verão em venda de cerveja. A cerveja vai bombar nesse verão… http://fb.me/srTSbQma Basta produzir, distribuir e vender? http://fb.me/x3CWPCf1

  14. Bernardo,

    A nossa ´sorte´ aqui na Ilha é que o pessoal cata as latinhas pra vender depois…daí não se verem tantas soltas, mas copos de plastico…são aos milhões!! Um absurdo a cultura do copo de plastico ´descartavel´… uma praga em terra e no mar…e o mau hábito das crianças vem de casa, a melhor educação ainda é o bom exemplo de casa.
    Estamos longe de ver essa evolução por aqui…mas aos poucos vamos levando mais gente a seguir bons hábitos…trabalho de formiga…
    abraço!!
    cgm

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